Em 2015, o Campeonato Brasileiro de 1985 completa 30 anos. Nada de mais para muitos, especialíssimo para o Coritiba e seus torcedores.
Decidido nos pênaltis, o jogo entre Bangu e Coxa, que começou no dia 31 de julho de 1985, só acabou na madrugada de 01 de agosto, com o primeiro clube paranaense sendo campeão, sob o olhar de mais de 100 mil cariocas presentes no Maracanã. Mas, antes de tudo isso, muita água rolou embaixo dessa ponte.
Regulamento
Em 1985, a competição era diferente da moldagem atual, mas já esboçava mudanças e adaptações. Este foi o primeiro ano em que Taça de Ouro e Taça de Prata se fundiram em apenas uma competição, uma das justificativas para isso era a de reduzir gastos. Assim, os 20 melhores colocados no ranking da CBF (chamado Ranking de Pontos), disputaram os grupos A e B, enquanto que campeão e vice da Taça de Prata do ano anterior (Remo e Uberlândia) e mais 22 clubes classificados por campeonatos estaduais, disputaram os grupos C e D. Totalizando então, 44 participantes, inicialmente.
Os integrantes de A e B, com 10 times cada um, se enfrentaram em dois turnos – Clube A x Clube B em cada jogo -, se classificando assim quatro times em cada grupo: os campeões dos turnos e os dois mais bem colocados na soma total. Os participantes de C e D passaram pelo mesmo processo, com a diferença de terem dois competidores a mais em cada grupo (já que totalizavam 24 clubes).
Com os 16 melhores classificados, houve novamente a reorganização das equipes em dois grupos e a disputa em turno e returno, dessa vez, porém, eles se enfrentavam entre si em seus respectivos grupos. Os dois melhores em cada divisão se classificaram para as semifinais, foram divididos em chaves, com jogos de ida e volta, saindo os finalistas pelas somas dos placares.
A final era em jogo único, na casa daquele com melhor campanha em todo o campeonato.
Para os descontentes com o esquema de pontos corridos, esse foi/seria um prato cheio de emoção.
O time campeão
O título Brasileiro de 1985 foi o primeiro e o único da história Coxa branca, por enquanto. É, sem dúvida, o mais inesquecível até para quem não o vivenciou, em partes, é claro, por ser único, mas, sobretudo, pelos seus personagens e pela entrega que demonstraram. Afinal, os números do Coritiba foram um tanto quanto peculiares para um campeão na época.
Ao todo, foram 29 partidas, 12 vitórias, sete empates e dez derrotas, marcando 25 gols e sofrendo 27 (sim, o saldo final foi negativo). O vice Bangu e times como o Atlético MG – que já se julgava o dono da taça -, Brasil de Pelotas e Sport marcaram mais gols que o Verdão, bem como alguns outros venceram mais que ele. O que fez a diferença então, não foram os resultados. E sim os campeões, propriamente ditos.
Na época, o Coxa vinha de um jejum de títulos, já que a conquista de maior expressividade até então havia sido a Fita Azul (condecoração de honra concedida aos clubes que retornavam ao Brasil invictos de excursões e torneios no exterior) em 1972, o Torneio do Povo (entre os clubes de maiores torcidas do país) em 1973 e o Campeonato Paranaense foi vencido pela última vez em 1979. Então, era muito tempo para que a equipe se mantivesse a mesma nesse período. No entanto, o alviverde contava com uma base – o futebol “junior”, como era chamado – boa e que se destacava, não à toa, oito dos 25 integrantes do elenco campeão eram oriundos dessa base. No entanto, parte do time já vinha do ano anterior e outros reforços foram necessários para começar a esboçar o time que levantou o caneco.
Assim, o sistema ofensivo contava com os veteranos Marco Aurélio, Toby, Lela, Índio e Edson; da mesma forma que André e Vavá na defesa. Enquanto que Gérson, Jairo e Rafael (goleiros), André, Dida, e Hélcio (laterais), Caxias, Gardel, Gomes e Heraldo (zagueiros), Almir, Aragonés, Eliseu, Luisinho e Marildo (meio campistas), Gil, Paulinho, Vicente e Zé Carlos (atacantes) chegaram no início do ano (ou subiram da base).
Depois da primeira fase, no entanto, houve uma pausa de dois meses e meio na competição para que a Seleção Brasileira se preparasse para a as eliminatórias da Copa do Mundo de 1986 (na qual acabou em quinto lugar, eliminada pela França, nos pênaltis). Neste intervalo algumas coisas mudaram no Cori: Dida foi para o Rio de Janeiro a serviço da Seleção Brasileira de Juniores. Gérson e Amaral foram emprestados ao Cascavel e o zagueiro Divino se integrou ao elenco após seis meses se recuperando de lesão.
Os caras e "o cara" do campeonato
Todos os citados anteriormente merecem reconhecimento pelo feito, pela união e pela superação. Ninguém dava muito crédito ao Coritiba de 30 anos atrás. A primeira fase foi de desempenho regular, com apenas oito vitórias, três empates e nove derrotas. Até os 44 minutos do segundo tempo do jogo contra o Santos (o último dessa etapa), o empate em 1 a 1 dava a vaga ao Fluminense e não ao Coxa. Então Dida cruzou uma bola que passou Marco Aurélio e acabou nos pés de Lela, para morrer dentro das redes. Mais da metade dos 32 mil torcedores já tinham deixado o Couto Pereira desacreditados e quiseram a todo custo voltar para aplaudir o ponta-direita. Mas Lela não foi “o cara” do título.
O meio campista Toby foi o que mais jogou naquele Brasileirão, participou de 28, dos 29 jogos que o Coxa disputou. Foi ele quem fez o primeiro gol do campeão no campeonato em 27 de janeiro, na estreia contra o São Paulo. Mal sabiam, mas a saga da conquista começava ali, dos pés com as chuteiras Tiger importadas que ele emprestou de Milton Cruz, a fim de ter um melhor rendimento (não conseguia se adaptar à maioria dos calçados). Porém, Toby não foi “o cara” do título.
O centroavante Índio foi o segundo mais atuante, com 27 partidas na conta e, além do mais, foi quem mais marcou gols ao longo das quatro fases da competição. Dos nove gols que guardou, o mais importante foi o de falta que deu o empate ao Coritiba na final em 31 de julho, contra o Bangu e ajudou a levar a decisão para as penalidades. Entretanto, o Índio não foi “o cara” do título.
O zagueiro Gomes foi quem fez o derradeiro e decisivo gol daquele Brasileiro. Ele mandou a bola no lado direito e viu o goleiro Gilmar quase alcança-la. Quase. Quando as redes balançaram na sequência, o grito de “é campeão!” finalmente pôde ser dado após 90 minutos regulamentares, 30 de prorrogação e mais de uma série de cobranças de pênaltis. Contudo, Gomes não foi “o cara” do título.
O cara do grande, saudoso e inesquecível título do Campeonato Brasileiro de 1985 foi Ênio Andrade, o treinador desde a rodada seis do primeiro turno (no início quem comandou o time foi Dino Sani e então, após a sua saída para o Qatar, Dirceu Kruger assumiu provisoriamente para o quinto jogo e depois tornou-se auxiliar de Ênio). O gaúcho vinha de dois títulos nacionais com Internacional (1979) e Grêmio (1981) e chegou colocando ordem na casa Coxa Branca. Mudou a forma de jogar da equipe alviverde e foi aos poucos, quase que aos chacoalhões, acertando o esquema tático.
Ênio era direto, quando os jogadores não correspondiam ele logo disparava no vestiário: “foram burros em campo”. Burros por não entenderem o sistema. Mas também era educado e compreensivo quando os atletas queriam beber uma cerveja, mesmo após uma derrota. “Não se pode tomar um caminhão quando se ganha, mas também não dá para não tomar quando se perde”, dizia após as broncas.
Depois de três derrotas seguidas logo que Andrade chegou ao clube, o time precisava vencer a todo custo para acalmar a torcida e resgatar a moral de todos. O comandante estava pronto para pegar no pé no fim, se necessário, mas, sobretudo, também estava sempre disposto a estimular antes da bola rolar. “A partida é nossa. Vocês sofreram muito com as derrotas e também cresceram com elas”, disse antes da partida contra o Náutico, na nona rodada. O Coxa venceu por 2 a 0 neste dia. Era o fim do jejum de 572 minutos sem marcar gols.
A caminhada não foi fácil só porque Ênio chegou, nem a melhorou magicamente. Mas os resultados foram aparecendo tanto por meio de vitórias, quanto por derrotas menos vexatórias – e até menos merecidas, diga-se de passagem.
“Seu Ênio”, como os jogadores o chamavam, foi carregado nos ombros por eles ao fim da partida no Maracanã, naquela primeira hora do dia 01 de agosto. Dali em diante, Ênio seria carregado também na memória dos torcedores Coxas Brancas como o técnico que levou o primeiro time paranaense a ser campeão brasileiro.
Quem também é e será eternamente lembrado em toda essa história é o presidente campeão Evangelino da Costa Neves.
Construindo o campeão com derrotas e vitórias
Nem só de glória e resultados positivos se vive – faz – um time vencedor.
O Coritiba, como já mencionado, passou por diversas dificuldades ao longo do Campeonato Brasileiro de 1985. Levou o caneco com saldo negativo de gols e precisou passar não só pelas quatro fases da competição, mas também – e principalmente – superar pelo caminho desconfianças (da própria torcida, inclusive) e supostos favoritos.
O futebol evoluiu muito em 30 anos, mas também estacionou em alguns aspectos, como por exemplo, no que diz respeito ao calendário de jogos. Nas primeiras rodadas, o Coxa (como todos os outros times) jogou com pouco intervalo de dias entre uma partida e outra e em dado momento isso prejudicaria de alguma forma.
Na quarta rodada, a partida foi contra o Vasco, em São Januário. A derrota por 3 a 0 foi resultado de uma péssima atuação da equipe. Uma das justificativas, porém, era a sequência de partidas e, consequentemente, a exposição a aeroportos, aviões e climas variados. De Curitiba, o elenco foi para o forte calor de Salvador, voltou para Curitiba e foram então para o Rio de Janeiro. Houve gripe generalizada nos jogadores. Os gols, um atrás do outro e a derrota (somando um mau resultado no jogo anterior) desencadearam uma tensão na equipe, a ponto de haver discussão e críticas aos próprios companheiros.
Errar faz parte, no futebol então... Mas o diferencial é o que é feito com os erros para torna-los em acertos.
A prova de fogo desse discurso acima se deu na semifinal, em 24 de julho, contra o grande favorito Atlético-MG. No Couto, mais de 33 mil pagantes viram o jogo histórico. A euforia era grande por parte dos torcedores alviverdes. Houve problemas, incluindo queda de luz e paralisação por 20 minutos. O Verdão se segurou, jogou cauteloso até achar a melhor oportunidade - como diria o Seu Ênio: “não é preciso atacar sempre, é preciso atacar na hora certa”. E a chance veio aos 13 minutos do segundo tempo, quando Gil bateu um escanteio, Édson cabeceou e Heraldo alcançou com os pés para marcar o único gol da partida. O estádio foi abaixo e a cidade só falava nisso. O Coritiba estava com um pé na final. O outro pé só foi colocado no jogo da volta, quando o 0 a 0 em Minas Gerais o confirmou como finalista.
O restante da história já se sabe. Deu certo, ou melhor, foi acertado apesar de tudo.
Este é um fragmento da história Coxa Branca que todos, mesmo os que não o vivenciaram, fazem questão e orgulho de lembrar. É um marco e motivo de comemoração ao longo do tempo.
Porém, o presente e futuro precisam de atenção também. O título trintão, na verdade, já está precisando de um companheiro nessa trajetória centenária.
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