![]() |
Divulgação |
O ano de 1978 foi histórico para o futebol brasileiro. Nessa época, a Série A conheceu seu único campeão cuja sede era em uma cidade do interior: o Guarani Futebol Clube, de Campinas-SP. Antiga potência do futebol nacional, o Bugre hoje convive com uma crise que parece nunca ter fim. No dia 30 de março, seu maior patrimônio material, o Estádio Brinco de Ouro da Princesa, foi arrematado por valor milionário em um leilão.
Os bugrinos de longa data certamente sentem saudades da época de ouro do clube. Aos mais novos restaram as histórias de um tempo em que o Guarani detinha prestígio não somente nacional mas também internacional. Um ano após o título brasileiro, ficou em quarto lugar na Copa Libertadores da América, maior torneio do futebol sul-americano.
Em época de Ditadura Militar, o Brasil conheceu o Plano de Integração Nacional, assinado no Governo Médici. A proposta tinha como objetivo criar um espírito de unidade entre as diferentes regiões deste país de dimensões continentais. A ideia de integração nacional também se refletiu no futebol, com o inchamento do Campeonato Brasileiro. No ano em que o Guarani de Campinas levantou a taça, o certame tinha 74 (!) participantes.
O regulamento daquele ano instituiu seis grupos: quatro com 12 times e três com 13 equipes, os quais se enfrentaram em turno único. Os seis melhores colocados de cada chave garantiram vaga na segunda fase. Os não classificados foram direcionados a uma repescagem. Nela, os vencedores dos seis grupos – quatro com seis times e dois com sete times – e o melhor entre os que não terminaram na liderança avançariam à terceira fase.
O Guarani FC começou o ano cheio de dúvidas. Pressionado pelo vice-campeonato estadual da rival Ponte Preta no ano anterior – o famoso título paulista do Corinthians com gol de Basílio, pondo fim a um jejum de 23 anos sem taças –, a diretoria não via muitas alternativas para bater de frente com a Macaca. Restou ao clube optar pela filosofia do “bom e barato”. O técnico Carlos Alberto Silva, que tinha feito bom trabalho na Caldense, foi chamado para fazer valer o projeto alviverde. Ainda desconhecido para a maioria, Silva teve em mãos um elenco jovem e sabia da necessidade de lapidar bem os talentos.
A “jóia rara” do Guarani era Careca, centroavante de apenas 17 anos. Dono de apurada técnica, ele seria um dos grandes nomes da Seleção Brasileira na época seguinte. O paredão era Neneca, que no Náutico – clube o qual defendia antes de vir ao interior de SP – conquistara um espantoso recorde de 1.636 minutos sem sofrer gols. A defesa era formada por Mauro, Gomes, Edson e Miranda. Na veloz meia cancha, a genialidade de Zenon fazia companhia à experiência do volante Zé Carlos e ao jovem – porém maduro – Renato. Lá na frente jogavam Bozó, Capitão e o “menino de ouro” Careca. O trio marcou 21 dos 57 gols do Bugre no campeonato.
A caminhada do Alviverde começou em Campinas, com uma derrota de 3 a 1 para o Vasco da Gama. Depois, os comandados de Carlos Alberto Silva iniciaram uma sequência positiva de oito jogos sem derrota: venceu Bahia (2 a 1), CSA (2 a 0), Confiança (5 a 0), a Ponte Preta no Dérbi (2 a 1, com dois gols de Careca) e Itabuna (7 a 0) e empatou com Vitória (0 a 0), CRB (1 a 1) e Sergipe (0 a 0). Voltou a perder na penúltima rodada da fase, ao sucumbir diante do Volta Redonda por 2 a 0. Na última rodada, arrancou um empate com o Botafogo no Rio de Janeiro e garantiu a quinta colocação do Grupo D com 16 pontos. Àquela época, vitória por, no máximo, dois gols de diferença valia dois pontos, vitória por três ou mais gols de diferença valia três pontos e empate valia um ponto.
Na segunda fase, o Guarani ficou no Grupo J. Nesse estágio, passaram para a terceira fase os seis primeiros colocados dos quatro grupos mais o melhor sétimo colocado. Todas as chaves tinham nove integrantes. A campanha do Bugre foi irregular, mas o suficiente para se classificar: ficou em quarto, com 11 pontos. Começou empatando com o São Paulo em casa (1 a 1) e conquistou a primeira vitória sobre o Brasília: 3 a 0 na capital federal. Na terceira rodada veio o maior baque, uma derrota de 5 a 1 para o Remo em Belém do Pará. A Portuguesa foi o outro time a derrotar os campineiros: 2 a 0. Vieram outras duas vitórias, contra Caxias (3 a 0) e Villa Nova (2 a 0), e dois empates, frente ao Vasco (2 a 2) e ao Coritiba (0 a 0).
O terceiro estágio culminou em quatro grupos com oito clubes cada – ainda em turno único. Os líderes e vice-líderes de cada chave garantiram um lugar nas quartas de final. Foi aí que começou a fase “EMPOLGOU” do Guarani. Com seis vitórias e um empate, a equipe ficou em primeiro lugar no Grupo Q e manteve vivo o sonho do título. A única igualdade em gols veio diante do Goiás: 1 a 1 no Serra Dourada. Os triunfos alternaram entre lampejos (3 a 0 sobre Internacional e Goytacaz) e vitórias suadas (1 a 0 sobre Botafogo-PB, Botafogo-SP e Londrina e 2 a 1 contra o Santos). No total, 15 pontos somados.
Aí veio o mata-mata. O primeiro oponente foi o Sport. Os bugrinos sobraram na ida e na volta: 2 a 0 no Recife e 4 a 0 em Campinas. Na semifinal, os paulistas se reencontraram com o Vasco de Roberto Dinamite, algoz na estreia. O “fantasma” foi espantado com mais duas vitórias: 2 a 0 no Brinco de Ouro e 2 a 1 em pleno Maracanã – diante de nada mais e nada menos que 101 mil pessoas. Os meninos do interior calaram o Gigante, palco de duas finais de Copa do Mundo, uma decisão de Copa das Confederações e tantos outros memoráveis jogos. Os gols da épica vitória no Rio foram marcados por Zenon.
O adversário na grande decisão foi o Palmeiras. Os primeiros 90 minutos da final foram jogados diante de 99 mil pessoas no Morumbi. E novamente o Guarani calou vozes. Zenon voltou a brilhar, dessa vez com um gol de pênalti. O desfecho foi no Brinco de Ouro da Princesa. Sem Zenon, coube a Manguinha substituir o “maestro” na finalíssima. O gol que coroou a campanha bugrina e confirmou a epopeia dos campineiros foi anotado por Careca. Nada mais emblemático que um prata da casa dar a um time inicialmente desacreditado o maior título de sua história. A parte verde de Campinas ficou em festa e até hoje se emociona ao recordar um momento que ainda é único na história do futebol tupiniquim: um time do interior conquistar a maior competição de futebol do país.
![]() |
Revista Placar |
Atualmente o cenário é desolador para o Guarani Futebol Clube. Com nove (!!!!) rebaixamentos de 1989 para cá, a equipe hoje milita em escalões bastante modestos: a Série C do Campeonato Brasileiro e a Série A2 do Campeonato Paulista. Muito pouco para um time com nome eternamente gravado na história do esporte no país. Além disso, vê o crescimento do mais novo clube de Campinas: o Red Bull Brasil – como o nome sugere, o time é bancado pela empresa austríaca de bebidas energéticas –, hoje integrante da elite do futebol paulista. Tendo em vista os eventuais investimentos da fábrica, o RBB mira a presença na Série A.
No ano passado, o Bugre quase caiu para a A3 do Paulistão e para a Série D do Brasileirão. Pior que isso: a instituição vem sofrendo com a incompetência das últimas gestões, as quais proporcionaram atrasos de salários de jogadores e funcionários e o aumento da dívida do clube.
A maior facada no coração do torcedor do Guarani veio neste ano. Como já foi citado neste post, a casa do time foi vendida em um leilão. A empresa Maxion Empreendimentos Imobiliários, que pertence ao Grupo Zaffari, adquiriu o estádio por R$ 105 milhões. Valor suficiente para quitar as dívidas do clube, certo? Errado. As dívidas do Bugre estão estimadas em mais de R$ 200 milhões. A atual diretoria alviverde já disse que tentará cancelar o polêmico leilão, conduzido pela juíza Ana Cláudia Torres Viana. Ela disse que o terreno do Brinco de Ouro deve ser entregue à Maxion em aproximadamente um ano, após os julgamentos das ações as quais contestam o arremate.
![]() |
Inaugurado em 1953, Brinco de Ouro da Princesa pode estar com os dias contados (Foto: Divulgação/Guarani) |
Quem ama futebol e vê tudo de longe só tem a lamentar o futuro do Guarani sendo colocado em xeque. É triste um clube com tantas glórias e com 104 recém-completos – o aniversário foi no dia 2 de abril – chegar a esse ponto. Dificilmente voltará à época de glórias, devido à “gourmetização” do futebol brasileiro, mas nada que apague o orgulho de sua torcida. Para o bem desse esporte, da cidade de Campinas e do Dérbi Campineiro, não deixem o Guarani FC morrer.
--
comentar com Facebook